A história do jogo do bicho é uma tapeçaria fascinante de cultura popular, azar e engenhosidade brasileira. Desde as suas origens no Rio de Janeiro, o jogo do bicho já se tornou uma das loterias informais mais duradouras do Brasil, enraizando-se profundamente no folclore e na vida cotidiana de milhões de pessoas. Mas, afinal, como e por que ele começou?
Apesar de ser ilegal, o jogo do bicho se mantém vivo e operante por mais de um século, adaptando-se às mudanças da sociedade e da tecnologia. É uma parte curiosa e controversa da história brasileira, um reflexo de como a cultura popular pode ser mais forte do que a lei. Para entender essa tradição, precisamos voltar no tempo e conhecer a mente brilhante por trás dela: o Barão de Drummond.
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O Nascimento de Uma Ideia Genial
No final do século XIX, o Brasil vivia um período de grandes transformações. O Império estava dando lugar à República, e a capital, o Rio de Janeiro, era uma cidade em efervescência.
Em meio a tudo isso, a vida social e cultural da cidade se concentrava em lugares como o Jardim Zoológico de Vila Isabel, um local popular para famílias e passeios de domingo.
O dono do zoológico, João Batista Viana Drummond, que mais tarde se tornaria conhecido como o Barão de Drummond, enfrentava um problema sério: a falta de dinheiro para manter o lugar. O zoológico estava com dificuldades financeiras e precisava de uma maneira de atrair mais visitantes e, consequentemente, mais receita.
Em 1892, ele teve uma ideia que mudaria para sempre a história do país. Para impulsionar a venda de ingressos, o Barão criou uma espécie de loteria.
Na entrada do zoológico, cada visitante recebia um bilhete com o desenho de um dos 25 animais que viviam lá. No final do dia, um dos animais era sorteado, e quem tivesse o bilhete com o animal vencedor ganhava um prêmio em dinheiro.
A loteria foi um sucesso estrondoso! As pessoas vinham de longe, não só para ver os animais, mas também na esperança de ganhar um bom dinheiro. A aposta era simples e divertida, e a ideia se espalhou rapidamente para fora dos muros do zoológico.
A Estrutura do Jogo: Os 25 Animais
O sistema do Barão era simples e eficaz. Ele selecionou 25 animais, cada um com um grupo de quatro dezenas. Por exemplo, o avestruz era o grupo 1, com as dezenas 01, 02, 03, 04. A águia, o grupo 2, com as dezenas 05, 06, 07, 08, e assim por diante, até o grupo 25, a vaca, com as dezenas 97, 98, 99, 00.
O sorteio original era feito de maneira transparente e segura: a urna com os nomes dos animais ficava exposta, e o Barão, pessoalmente, retirava o vencedor. A popularidade do jogo cresceu tanto que o sistema de apostas foi se expandindo.
As pessoas começaram a apostar nos bichos de forma informal, fora do zoológico, e a estrutura das apostas se tornou mais complexa, incluindo modalidades como o “milhar” (apostar nas quatro dezenas), a “centena” (nas três últimas dezenas), a “dezena” e o “grupo”.
A Ilegalidade e a Adaptação
O sucesso do jogo do bicho incomodou o governo. Em 1894, apenas dois anos após sua criação, o jogo foi declarado ilegal.
O governo via as loterias como uma forma de vício e uma ameaça à moralidade pública. Além disso, o jogo do bicho era uma loteria não oficial, que não pagava impostos, o que também era um problema para as autoridades.
No entanto, a proibição não foi suficiente para acabar com ele. O jogo já estava profundamente enraizado na cultura popular.
Com a ilegalidade, ele foi para a clandestinidade, operando secretamente em bancas e pontos de aposta espalhados por todo o país. Os chamados “banqueiros” passaram a ser os novos administradores do jogo, e os “pontos” de aposta se tornaram parte do cotidiano de muitas cidades.
Para se manterem informados sobre os resultados, os jogadores e banqueiros precisaram de um novo sistema. A imprensa, de forma curiosa, passou a ser o principal meio de divulgação dos resultados.
O resultado oficial, que antes era divulgado no zoológico, agora era “inspirado” nos sorteios da Loteria Federal.
As últimas duas dezenas do primeiro prêmio da loteria federal correspondiam ao bicho sorteado. Por exemplo, se o número sorteado fosse 12345, as dezenas 45 corresponderiam ao animal de grupo 12, que é o porco.
A Tradição Cultural: Mais que um Jogo, uma Cultura
Apesar de ser um jogo de azar, o bicho já se misturou com a cultura brasileira de uma forma única. O jogo não se baseia apenas na sorte, mas também em um sistema de crenças e interpretações de sonhos.
Existe uma verdadeira “tabela dos sonhos”, onde cada sonho tem um animal correspondente. Sonhar com água, por exemplo, pode ser um sinal para apostar na cabra, enquanto sonhar com dinheiro pode ser um sinal para apostar no gato.
Essa relação entre sonho e aposta criou um folclore próprio, onde as pessoas buscam significados para os números e os animais, e trocam histórias e palpites com amigos e vizinhos. O jogo se tornou uma parte da vida social, uma forma de se conectar e compartilhar esperanças.
O Jogo do Bicho Hoje
Mais de 100 anos após sua criação, o jogo do bicho continua forte, e a internet deu a ele uma nova vida. As bancas físicas ainda existem, mas as apostas também podem ser feitas online, através de aplicativos de mensagens e sites.
A ilegalidade ainda é uma realidade, e as operações policiais para combater o jogo são constantes.
A história do jogo do bicho é a prova de como uma ideia simples pode se transformar em um fenômeno cultural, capaz de resistir ao tempo e à lei. É uma parte intrigante do nosso passado, que nos mostra a força da tradição popular e a complexidade das nossas relações com a sorte e o azar.
A história do jogo do bicho não é apenas sobre números e dinheiro, mas sobre pessoas, crenças e a busca eterna por um pouco de sorte na vida.